quarta-feira, 21 de janeiro de 2009




Para buscar meu Monteiro Lobato olhei para meu umbigo, e isto com urgência, pois tomei ciência da blogagem hoje, sábado às 12:00hs. Li todos os seus livros há muito. Reminiscente, primeiro ato, entrei no Santo Google; lá descobri em PDF o trabalho interessante e polêmico apresentado abaixo formatado no Word. Extraí-lo, lê-lo e resumi-lo, foi o segundo ato, eis que um tanto longo. Reduzido à metade vale a pena esticar os olhos em cima dele. Nasci no interior fluminense e na minha cidade poucos letrados havia, o padre, o pastor, alguns médicos, dois advogados, professores de ginásio e escolas primárias, dois poetas. Quem era letrado? Os dois últimos que manejavam as letras? Sei não. Sei que ainda no curso primário me vi querendo saber mais que os colegas de aula e me pus a ler as lições do dia seguinte para quando a professora fosse explicar eu pudesse fazer perguntas atinentes. Alguns elogios e o desejo aumentou, e comecei a consultar dicionário para entender as palavras e não comer mosca. Lia algumas a mais na esperança de poder usá-las no futuro. Para muitas o futuro não chegou até hoje. Qualquer belo dia vi uma revista de história em quadrinhos que o dono ma emprestou, levei para casa e comecei a folhear e ler admirando os desenhos. Minha mãe se aproximou, viu, perguntou o que era, pegou-a de minhas mãos e ao ver os heróis, Capitão Marvel, Homem Submarino, Tocha Humana, Super Homem lutando contra bandidos não sei o que deu nela. Deve ter dito que não era leitura para criança, perguntou de quem era, saiu de casa e foi entregar à mãe do colega. Diálogo, lá? Nunca veio a furo. Foi uma furada para mim. Conseguia outras revistas, mas tinha que ler debaixo do piso de laje da casa comercial, atrás de caixotes, com a luz difusa do sol. Em cima da loja um apartamento. Nos fundos passava um rio, na sua margem espetava uma vara de bambu para fingir que pescava enquanto devorava as páginas com os olhos. E quando minha mãe gritava lá de cima por mim respondia que estava pegando minhoca. Ela sossegava e eu, as minhocas também, mas os peixes continuavam desassossegados à cata de comida. Pelo menos lutava para pegar uns três, os azarados do dia e recebia elogios. O dicionário me fornecia explicação para as palavras das revistas. Era magro e minha mãe queria que engordasse. Levava-me ao médico que mandava fazer exames de fezes e com ou sem habitantes nelas receitava lombrigueiro que tomava de madrugada, sob ameaças de chineladas. Tinha um cheiro nauseabundo e provocava náuseas. Algumas tempo depois corria a toda hora para o banheiro, lá depositando com trovoadas a chuva horrorosa provocada; raios saiam da minha boca, todos os xingamentos que tinha aprendido com a molecada. Não encontrava os palavrões no pai dos burros, só as indecentes. Ficava mais tempo do que o necessário lendo história em quadrinhos que escondia debaixo do colchão. Daí para a frente era obrigado a tomar óleo de bacalhau para engordar. Não engordava, minha se desesperava e implicava. Reclamava que tinha vergonha de sair comigo, que era muito magro, as outras crianças davam mais prazer às suas mães. Passei a me esconder, não querer ir a aniversários – tinha que ir- igreja –tinha que ir, casa de parentes- tinha... Passei a ficar caseiro, li todos os livros da minha série do colégio, comecei a pedir emprestados livros da série seguinte; esgotados entendi de frequentar a biblioteca do grupo escolar. Lendo-os em série programada cheguei ao ginásio. Lia e lia. Resolvi ter livros novos, editados mais recentemente. Consegui não sei como comprar meu primeiro título pelo correio, reembolso postal, “Uma Orientação na Ciência”, de vários autores, com várias disciplinas. Americano de origem, traduzido para o português, tornei-me um conhecedor da modernidade cientifica. Não serviu para demonstrar conhecimento em provas ou conversas, todo mundo estava atrasado. Eu tinha onze anos. Passado um ano, comprei um mais pesado, “Você e a Hereditariedade” onde Asram Schienfeld discutia a influência da herança genética e o ambiente para modelar o caráter de cada indivíduo. Ele dizia que onde termina a hereditariedade começa o ambiente. Tive ocasião de travar algumas conversas com professores, mas por “saber de demais” eles tornavam a conversa o mais curta possível. Lido este, endoidei de vez e adquiri Psicologia do Comportamento. Queria entender as pessoas nas suas variadas formas de viver. Passei a compreender o genérico e quando dedicava mais atenção à distância prudente de alguns poucos percebi que poderia antecipar possíveis reações de parentes. Findei a leitura do livro com treze anos.

Contradições de M. Lobato sobre “raça”, cor, cultura, ambiente e pobreza, trouxe-as em resumo do excelente trabalho da aluna Liz Andréia :

GIARETTA, Liz Andréia, Aluna do Mestrado em Geografia IGCE/UNESP Rio Claro – SP, orientada pelo Professor do Dep. Geografia, ANTONIO FILHO, Fadel David.UNESP Rio Claro – SP em
http://www.ig.ufu.br/coloquio/textos/GIARETTA,%20Liz%20Andreia.pdf






Discurso geográfico sobre o Brasil em Geografia de Dona Benta
Geografia de Dona Benta foi escrita em 1935, um ano após a implantação dos primeiros cursos de Geografia no país. O título sugere história de maior interesse para o geógrafo, porque trata especificamente da concepção de geografia que Lobato transmitiu às crianças brasileiras.
A história tem seu desenrolar com a turma do Sítio (Dona Benta, Tia Nastácia, Emília, Narizinho e Pedrinho, Visconde e Quindim) embarcada no navio “Terror dos Mares” viajando pelo do Brasil e pelo mundo com D. Benta ensinando geografia “na prática”. A viagem ficcional teve início pelos estados brasileiros, e Lobato adotou o critério de mostrar os aspectos socioeconômicos e físicos, enfatizando como os seus habitantes podem explorar os recursos disponíveis para alcançar o progresso. Ele intercala comentários com análises dos problemas que dificultam o progresso e explicações sobre aspectos históricos e turísticos dos lugares visitados. O primeiro estado visitado foi o Rio Grande do Sul. Ao descrever os Pampas e os gaúchos, deixa transparecer a influência em sua visão do mundo das teorias deterministas de que o meio atua na formação de uma “raça”. “ A vida dos homens, em qualquer parte do mundo, depende da terra, e como aqui a terra é sobre tudo composta desses campos, ótimos para a criação de gado, a vida dos homens que habitam o Rio Grande, o Uruguai e a Argentina giram em torno da criação de gado, e o hábito de lidar com o gado deu aos moradores dos Pampas uma fisionomia especial. São homens carnívoros, isto é, que se alimentam quase exclusivamente de carne, e valentes.
Os estados do Sul brasileiro, especialmente o Rio Grande do Sul, são considerados por Lobato como os mais promissores do país, devido a seus aspectos físicos e às qualidades da população, composta majoritariamente de “brancos”, que podem levá-los ao desenvolvimento econômico, interpretação advinda de sua postura determinista e darwinista social. -Ah, o Rio Grande do Sul é uma das partes mais importantes, mais ricas e de mais futuro do Brasil. Tem todas as condições de clima e topografia para desenvolver-se cada vez mais. O povo é sadio e corajoso,e entusiasta. Feliz. As culturas são variadíssimas; produz até trigo, e as indústrias se desenvolvem com muita força.” A turma do sítio foi visitar a gelada Antártida. Por meio de D. Benta , Lobato explica o que são os pólos e o clima que ali atua. Nesse momento, o escritor avança em sua postura determinista afirmando que, apesar do frio intenso desse continente inóspito, “esse terrível bichinho que é o homem até lá tem conseguido ir.”
Depois de visitar a região Sul, a turma do Sítio segue viagem pelo Brasil passando pelo Mato Grosso do Sul, onde D. Benta comenta que o petróleo pode conduzir esse estado ao desenvolvimento. Alerta que a ineficiência de suas vias de transporte pode dificultar o alcance desse desenvolvimento. Por meio de Dona Benta, se refere à política territorial da década de 1930 de construir vias para estabelecer a integração e a unidade nacional, com o intuito de facilitar a migração (mão-de-obra) para as indústrias da região Sul, ocupar os vazios e dinamizar a economia do país, escoando a produção agrícola dos estados centrais. Essa política territorial, mencionada em outros momentos da história, faz parte do projeto de Lobato e da burguesia industrial, de reestruturação do espaço geográfico nacional a fim de conduzir o Brasil ao progresso. Na visita aos Estados Unidos, modelo de sociedade e economia que Lobato queria implantar no Brasil, ele enaltece aquele país pela qualidade e quantidade de vias de transporte especialmente as rodoviárias. Afirma que elas são uma das razões do progresso norte-americano.
Nessa perspectiva, elogia São Paulo, descrevendo a impressão das crianças do Sítio quando vêem grande quantidade de veículos trafegando pelas rodovias. D. Benta explica do que é feita a gasolina que movimenta os veículos e afirma: -O petróleo é o rei dos combustíveis modernos; só são fortes, ricos e respeitados os países que o possuem. Graças ao petróleo é que os automóveis e aviões existem. Ferro e petróleo: eis os dois elementos básicos da grandeza dos povos modernos. Os Estados Unidos tornaram-se o país mais rico do mundo porque é de todos o que produz mais petróleo. D. Benta louva o estado de São Paulo pelo clima agradável e por ser a locomotiva do país devido à agricultura e à indústria pujantes, à auto-suficiência industrial e à sua população que forma “um núcleo humano dos mais operosos.” Lobato, paulista de nascimento, demonstra seu etnocentrismo ao salientar a idéia de que São Paulo é a locomotiva do país e vai de encontro à política de integração nacional dos anos 1930, que pretendia estabelecer a unidade nacional para reverter a ameaça separatista que pairava em nosso território. De São Paulo, o brigue vai para o Rio de Janeiro; Ali Lobato comenta sua peculiar geografia, especialmente, em relação ao relevo de elevações cobertas de floresta tropical e formações rochosas exóticas, como o Pão de Açúcar e Morro da Urca. Ao mencionar a história e quanto esse estado "sofreu" com a libertação dos escravos, Lobato demonstra resquícios da visão do mundo da burguesia rural cafeeira, classe social de sua origem. O escritor culpa os escravos pelas dificuldades econômicas enfrentadas pelo Rio ao transmitir a idéia de que, com a libertação, eles abandonaram as fazendas, tomadas pelo sapé e pela saúva, pela falta de trabalho dos escravos. Concluiu que, em conseqüência desse colapso de mão-de-obra para o trabalho nas fazendas, o Rio de Janeiro passou a enfrentar graves dificuldades financeiras. Com essas informações, o escritor camufla a história real do pós-abolição, período em que os fazendeiros não absorveram os escravos recém-libertos como mão-de-obra assalariada em suas fazendas. Porém os fazendeiros abandonaram os ex-escravos sem indenizá-los pelos anos de trabalho e, além disso, desqualificaram-nos como trabalhadores nacionais, e exigiram que o governo trouxesse imigrantes europeus ao Brasil para trabalhar nas fazendas e nas indústrias em ascensão, e pudessem arianizar a população mestiçada e “inferior”.
Passaram por Minas Gerais, lá D. Benta comentou ser um grande produtor de ferro, e salienta que sua capital, Belo Horizonte, possui uma invejável organização espacial urbana; entra em foco o Nordeste brasileiro, a começar pelo seu clima.
Ele achava que no Nordeste, “o clima é quente e portanto impróprio para as raças brancas que da Europa emigram para a América. Notem que no Sul do Brasil há muitos imigrantes estrangeiros, que vieram e se fixaram em virtude do clima ser mais ou menos o mesmo que de suas pátrias.” Isso ocorreu porque as elites desenvolveram o discurso ideológico de que o clima nordestino era impróprio para a “raça branca”, a fim de trazer maior número de imigrantes para o Sul do país, região onde estavam concentradas as indústrias financiadas pelo capital cafeeiro. Essa estratégia das elites promoveu o desenvolvimento da região Sul em detrimento das demais. Lobato explanando sobre o Nordeste se contradisse ao afirmar que, em toda essa região, o europeu não se fixa com exceção dos portugueses (que também são europeus), “que se fixam em todos os climas do mundo, sejam os mais tórridos da África, sejam os climas gélidos da Terra Nova, lá no Canadá.”
O elogio ao povo português é recorrente na Geografia de Dona Benta, quer pela sua capacidade de adaptação em qualquer clima (por ser uma “raça forte”) quer pelo seu empreendedorismo movido pelo desejo de conquistar territórios em todo o mundo. Tinha a visão de superioridade dos portugueses, cujos descendentes compunham nossa aristocracia de procedência ariana e considerada civilizada.
Dona Benta fala das secas e das conseqüências que elas trazem à população nordestina. Ela sugere soluções para amenizar essa problemática, como a irrigação e o aproveitamento comercial do babaçu e critica as autoridades governamentais pela sua inoperância em relação às secas. Lobato transmitiu aos seus leitores a explicação real dos problemas da região Nordeste e apresentou soluções viáveis e coerentes para amenizar as secas que atingem essa região. São essas explicações que revelam a preocupação de Lobato em demonstrar às crianças brasileiras a realidade do país, sem incutir-lhes um discurso patriótico.
Ainda sobre o Nordeste, Lobato explica que entraram na formação da população nordestina "os portugueses, o negro e o índio - só. Não houve lá, como no Sul, nenhuma injeção de sangue novo europeu" . Sua concepção ideológica darwinista social está aí demonstrando que o Sul, povoado de descendentes de imigrantes europeus capazes de elevar o Brasil ao progresso, contrastava com o Nordeste povoado de negros e índios que, na concepção dos darwinistas sociais, eram incapazes de qualquer ato civilizatório. Essa divisão do território nacional em dois Brasis, a porção norte atrasada e a porção sul desenvolvida, promovida não só por Lobato, mas pela elite governante brasileira, era um grande entrave à integração do país.
Quando a turma do Sítio conhece as terras e as águas amazônicas, Lobato comenta, sobre o clima da região amazônica que “é quente e úmido, o que torna a vida do homem ali uma luta constante contra as doenças e os bichinhos”. Comenta também sobre a imensidão e a importância do rio Amazonas para a população ribeirinha e dá uma longa explanação sobre os recursos existentes em suas águas e na floresta Amazônica. Por fim, afirma que "a Amazônia ainda assusta a gente da “raça branca”. Só o índio nativo lhe suporta o regime de vida" e profetiza com sua visão do mundo progressista e darwinista social que o homem de “raça branca” um dia vai conquistar a Amazônia e transformá-la “na mais maravilhosa das fazendas”.
Lobato desconhecia a impropriedade do solo amazônico para a prática da agricultura, e demonstrou a visão utilitária do escritor que apregoou a agricultura praticada pela “raça branca” de explorar as terras amazônicas, e não os recursos da floresta, que garantiria renda às populações ribeirinhas e preservaria essa importante formação vegetal de nosso país. Houve a ausência da preocupação de Lobato em formar uma consciência ambiental nas crianças brasileiras, pois Lobato avalizou a destruição das matas amazônicas. O fato de direcionar essa tarefa aos “brancos” demonstra também a influência darwinista social em seu pensamento.
Convém salientar que, em vários momentos da história, Lobato utilizou Tia Nastácia, que viajara no Terror dos Mares assumindo o posto de cozinheira, para criticar o povo brasileiro que, por não ser aberto à modernização, era, ao lado dos fatores econômicos, um dos obstáculos ao progresso do país. Lobato mostra traços de seu racismo, especialmente quando ele se refere aos aspectos somáticos de Tia Nastácia, definidos com termos próprios para animais, no caso, “lábios” por “beiço”. Esse racismo se evidencia porque Tia Nastácia se mostra incapaz de aprender, ao contrário dos personagens “brancos”, que possuem um raciocínio dinâmico.
Gouvêa (2005) enfatiza a maneira ambígua com que os personagens negros, a exemplo de Tia Nastácia, foram inseridos na obra infantil lobatiana que também pretendia criar um sentimento de brasilidade para integrar as etnias que formavam a nossa população. A solução encontrada por Lobato para criar esse sentimento, e por outros autores da época, foi inserir os negros nas histórias infantis pelo viés do folclore, valorizando-os em sua oralidade e sabedoria popular. Imbuído das concepções darwinistas sociais, criou esses personagens com mentalidade infantil que os fazia ser ignorantes, supersticiosos, servis e incapazes de assimilar o moderno6.
Vasconcellos (1982) também alerta sobre o distanciamento do escritor na análise real dos fatos ao elaborar essa representação do povo brasileiro em sua literatura infantil, em especial, do negro. De acordo com a autora, examinando a história da humanidade é possível verificar que muitos governantes e religiosos “brancos” tiveram dificuldades em assimilar novas invenções e teorias que poderiam ter mudado a interpretação dos fenômenos e o destino do mundo, por serem avessos ao novo e desejarem manter o status quo. Portanto, essa mentalidade obscurantista não é mérito único do povo, mas também das classes dominantes.
Da Amazônia, a viagem geográfica da turma do Sítio segue para outros lugares do mundo, nos quais Lobato também apresenta um discurso geográfico essencialmente determinista e idéias pautadas no evolucionismo spenceriano. Conclusões
Nas análises realizadas em Geografia de Dona Benta, observamos que, na maioria das vezes, Lobato produziu um texto que se diferencia dos compêndios didáticos nacionais de 6 Em Histórias de Tia Nastácia (1982b, p.110), podemos observar uma crítica de Lobato ao povo e à cultura popular, expressada por meio de Dona Benta: -"Nós não podemos exigir do povo o apuro artístico dos grandes escritores. O povo... Que é o povo? São essas pobres tias velhas, como Nastácia, sem cultura nenhuma, que nem ler sabem e que outra coisa não fazem senão ouvir as histórias de outras criaturas igualmente ignorantes, e passá-las para outros ouvidos, mais adulteradas ainda."
Geografia da década de 1930, especialmente, porque não apelou para patriotismos com o intuito de criar “amor à pátria” nas crianças e nem inventariou exaustivamente os aspectos físicos do território brasileiro. Lobato não deixou de mostrar nossas potencialidades às crianças, porém apontou-lhes os problemas brasileiros e a ineficiência de nossos governantes.
Influenciado pelo ideário escolanovista, o escritor também inovou na Geografia de Dona Benta quanto à metodologia de ensino, pois buscou dinamizar as aulas de Geografia (no contexto da época) ministradas por Dona Benta, por exemplo, introduzindo o trabalho de campo para observação prática dos fenômenos espaciais, embora tal procedimento tenha se passado no âmbito ficcional. A visão contraditória do mundo de Lobato, forjada no evolucionismo spenceriano, tanto em sua vertente otimista do progresso quanto em sua vertente pessimista, além das idéias deterministas de que o meio condiciona a adaptação das “raças”, está presente com maior ênfase na Geografia de Dona Benta, história que retrata o projeto de nação que Lobato pretendia implantar no país. No entanto, em alguns momentos dessa história, Lobato aproxima-se do instrumental possibilista lablachiano, quando mostra que o ser humano pode transformar o meio utilizando sua inteligência.
Essa visão do mundo é observada, em relação ao Brasil, quando Lobato evidencia nosso potencial econômico e energético e apresenta idéias para uma política territorial, ao mesmo tempo em que desvaloriza, explícita ou subliminarmente, o povo brasileiro em sua parcela menos favorecida economicamente, especialmente o negro, embora a elite agrária “branca” tenha sido alvo de suas críticas. Essa contradição também existe no tocante à unidade nacional, quando Lobato enaltece algumas regiões do país em detrimento de outras.
O pessimismo de Lobato em relação ao povo brasileiro derivou da influência das teorias racistas em sua visão do mundo, que também caracterizam as interpretações preconceituosas dos negros presentes na história analisada nesse artigo, inaceitáveis na contemporaneidade em uma literatura direcionada às crianças. Nesse sentido, essa história deve ser entendida como testemunho de uma fase de nosso país, na qual o preconceito era transmitido às crianças, elaborando suas concepções a respeito de nossa formação social pluri-étnica.
Nesse raciocínio, entendemos também o tratamento dado pelo escritor às questões ambientais presentes na Geografia de Dona Benta. Como representante de seu tempo e da
classe dominante, Lobato entendia os recursos da natureza pela ótica utilitarista e, por isso, não se esmerou em formar uma consciência ambiental nas crianças brasileiras. 7 Os compêndios didáticos de Geografia da década de 1930 deixavam de mostrar as mazelas do Brasil com sua população miserável e seus problemas de ordem política para exaltar a grandeza, beleza e riqueza de nosso território habitado por três raças que viviam em harmonia.Logo, essa história de Lobato serve de contraponto para conhecermos as mensagens ideológicas acerca das atitudes em relação ao meio ambiente, transmitidas às crianças no contexto desenvolvimentista do início do século XX. Assim, pudemos verificar que essas mensagens estão em desacordo com a atual e urgente necessidade de preservação do meio ambiente, sendo a educação ambiental direcionada às crianças um dos caminhos para alcançar esse propósito.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Nem mais e nem menos

Ordem de despejo
-Vocês dois aí, pensam que me esqueci de suas figuraças? Antes imaculadas, sem tatuagens, piercings, nem cicatrizes umbelicais carregam nestas belas barrigas, que dizer, a de Virago (Eva) é de uma beleza juvenil, daqui para a frente poderá ser um símbolo quase sexual, digamos, sensual. Bem, não os quero no Paraiso. Não são dignos de morar comigo e os anjos. Acabou-se a sombra e água fresca. Tu Virago, porque oriunda de parte de Adão, doravante terás os partos dolorosos e complicados, dependerás de parteiras e médicos. Se contorcerá com cólicas terríveis e te virarás com ervas, injeções, partos de cócoras, dentro d’água e se quiser inventar pode até parir num trapézio, que se dane. Um dia alguém oferecerá às suas descendentes parto cesáreo sob anestesia - nem quero saber no que vai dar. Vais conhecer uma inimiga, guarde o nome, TPM.
O oleiro-carpinteiro-marceneiro-neuro-lingüista voltou-se para Adão: -Falei que não comesses o fruto da Árvore do Saber, desobedecesstes, destes ouvido à sua mulher e comeu. Por tua causa a Terra será maldita, dela tirarás seu sustento e o dela, vais arar plantar e enfrentar sol, tempestades, secas e enchentes, ah, para botar pilha em você, virão dilúvio, delúbio, Valério, o carequinha, petralhas, Daniel Dantas, vereadores, deputados e senadores - todos explorarão sua descendência. Comerás o pão, biscoitos, roscas, balas, sorvetes, um simples chester, através o suor de seu rosto. Serão explorados por faraós, romanos, ingleses, americanos, franceses, holandeses, multinacionais de alimentos e deles usarás alimentos transgênicos, processados, cheios de conservantes – venenos vários - que lhes produzirão toda sorte de doenças, incluindo o câncer. No saco de maldades eles inventarão e colocarão as possíveis e as impossíveis... Todos serão afetados pelos séculos e séculos.
“-Isto, pensou o oleiro-carpinteiro-marceneiro-neuro-lingüista, está me cheirando a scripts de cinema catástrofe”. -Adão, você foi feito de pó e claro, se tornará pó novamente, o qual não poderá ser usado para fabricar coisa alguma. Quando for cremado suas cinzas não poderão ser usadas para fazer sabão. Avise a seus descendentes! Sua mulher que em outras histórias lhe deram o nome de Eva – e o foi porque o narrador andou voando, não pesquisou direito, comeu mosca - não poderá sair com ele, então te facultarei que a chame de qualquer coisa. -Senhor, posso manter e chamá-la de Eva? -Quer me cansar? -Porque insiste neste nome esquisito, não conhece um melhor, que tenha mais sonoridade, Madonna, Maryllin, Marisa, Yoko Ono? - Esta palavra me veio à cabeça porque é do hebraico hav vah, significa que será mãe de todos os viventes. Só tenho uma dúvida, mestre, o senhor nos deixará sobreviver? -Sejamos práticos, não haverá mais conversas entre nós, estou expulsando-os aqui e agora deste lugar; tomem estas vestimentas de pele de cervo prêt a porter que mandei comprar ali na C&A e desapareçam rápido e nem olhem pra trás. Saem da liberdade do Paraíso para o mundo que mais será do que uma prisão. Não esperem por um habeas corpus, salvo conduto ou mandado de segurança. Pelo contrário, terão que dar tratos às bolas para corromper, fraudar, criar contos do vigário, mentir, enganar, toda uma série de virtudes que lhes permitirão avançar na vida para acumular toda sorte de ouro, pedras preciosas, bugigangas, a qualquer preço, passando por cima de parentes, amigos e estranhos, com todo o egoísmo possível e depois cair mortos e deixar tudo para trás. Quando morrerem, é perderam a imortalidade, nada levarão para o outro mundo, nada... seus bens serão disputados como carniça pelos descendentes. Parem de tremer e se mandem!
-Senhor, não pode dar um jeitinho? – O quêeee? Pensa que está no Brasil, na terra em que todos querem levar vantagem? Lá onde se criam dificuldades para venderem facilidades? Onde se legisla em causa própria? Onde sentenças judiciais são ditadas nas altas cortes pelos advogados de defesa dos réus? Olha não sou senador nem deputado, governador ou prefeito, muito menos vereador ou suplente de qualquer coisa. Vá em frente!
O casal não teve saída a não ser obedecer, principalmente quando viram uma pessoa com asas enormes e como um pássaro, voando chegou nas proximidades descendo a uns cinco metros e pondo-se em guarda. Seus olhos ferozes fitaram os companheiros. Carregava aquele corpulento anjo um sabre de luz, cintilante e versátil, desses que foram usados em Guerra nas Estrelas, por Luke Sky Walker.
Como demonstração o querubim apertou um dos botões e a arma a laser disparou raios de três cores simultaneamente derretendo uma pequena rocha. No seu lugar a poça de lama quente e rubra que se formou esfriou e se mostrou como uma peça laminar granítica. Adão fez o sinal da cruz automaticamente, como pessoas atualmente na hora do aperto se persignam – passou muitos dias abobalhado sem saber de onde havia tirado aqueles movimentos e não achou ninguém até hoje para explicar-lhe tal ato. A Árvore do Saber tinha ficado para trás. Dali em diante ele e sua consorte, os dois sem sorte, mais toda sua descendência teriam que descobrir tudo sozinhos.

sábado, 6 de dezembro de 2008

quinta-feira, 27 de novembro de 2008


Foi mais ou menos assim

Com tempo, a briga pelo tempo


Em horas vagas, desde alguns anos praticava caça submarina, e após uma teimosia de colegas que insistiram em irmos matar peixes em uma ilha bem afastada do litoral, apesar de haver, no meu pouco entender, prenúncio de nuvens que anunciavam uma frente fria, fomos, e ela chegou e se não provocou desastres conosco, o desastrado do dono da lancha em que eu estava (eram três
) cometeu um deslize que nos obrigou a ficar na ilha por três dias enquanto as outras lanchas aproaram em direção Rio e foram embora.
Daí em diante aprofundei meus conhecimentos com os pescadores litorâneos de alto-mar para entender todos os sinais dados por aves, animais domésticos, das restingas, peixes, nuvens e ventos, para prever os acontecimentos climáticos no litoral do estado do Rio de Janeiro.
Assinava um jornal de envergadura editado no Rio o qual tinha uma coluna sobre o tempo. Todo dia publicava uma fotografia em preto e branco de satélite, o Goes, acompanhada de tábua de marés, gráfico de temperaturas médias nas capitais do Brasil e algumas capitais do mundo e um pequeno texto sobre o clima no Brasil e no Rio. Lia-as todos os dias, recortava e as guardava numa pasta com folhas transparentes e assim passei a “consultor” no nosso clube de caça submarina. Tinha que me virar para estudar e gravar na cabeça as séries fotográficas, consultá-las e emitir “parecer” para os finais de semana, com um agravante: as caçadas poderiam ser na Ilha Grande, ao longo do litoral carioca, niteroiense ou Macaé.

Certa ocasião, percebi que a foto do dia se parecia com uma de semanas passadas; fui à pasta-arquivo, folheei examinando detidamente e achei, estava lá. Com certeza! Vi que mais duas de dias diferentes eram iguais. Desconfiado convoquei a família e nos pusemos a identificar as coincidentes. Para facilitar, foram colocadas no chão formando “mosaico”.
Conseguimos identificar perto de 30 duplicadas, algumas triplicadas e por incrível que pareça, umas duas quadriplicadas. Fiquei indignado. O jornal por achar que ninguém iria conferir se ferrou.

Nem internet, nem e-mail, máquina datilográfica e papel carbono e a indignação. Quente como estava sentei o pau. Dirigi-me ao editor e denunciei o fato. Disse-lhe que tinha fotocópias do que afirmava, o logro. Disse-lhe que eu e muitos pescadores nos baseávamos nas cartas para sairmos para o mar, que estava catalogando e registrando as saídas em atas da Federação de Caça Submarina, que sabia que não se tratava de cochilos e sim de maldade, mesmo. Um outro jornal publicava algo bem mais moderno, por contrato com empresa de meteorologia. Perguntei se faltava dinheiro para tal e ofereci-lhe um empréstimo para que pudessem se modernizar, no tocante ao assunto. Comuniquei que dava um prazo de 30 dias para a mudança. Caso contrário iria levar ao conhecimento da empresa jornalística rival. Ainda fiz o desafio de perguntar se tinha coragem de publicar em Cartas dos Leitores. A empresa rival quebrou alguns anos depois.
Mandei a carta registrada com aviso de recebimento. O jornal recebeu e o aviso chegou-me às mãos. Não me responderam até hoje. Isto foi em dezembro de 1975. Em compensação, duas semanas depois, em um domingo, o jornal anunciava com estardalhaço numa página inteira, que havia contratado uma empresa de meteorologia para repaginar a coluna Tempo; aproveitou e fez entrevistas com dois funcionários do serviço de meteorologia do governo federal, um do Rio e outro de São Paulo, que deitaram falação, muita bobeira de mapas e coordenadas de temperaturas máximas e mínimas, sistema de alta e baixa pressão, frentes frias que vem da Argentina e bla, bla, bla. Frentes frias se originam na Antártica e Pacífico Austral e passam pela
Argentina.
No dia prometido, primeiro de fevereiro, o grande acontecimento. O jornal estreou com todas as pompas a tal coluna, com mapas a cores do Rio de Janeiro, grande e do Brasil, menor, com riqueza de temperaturas máximas e mínimas nos dois mapas, escala de cores de temperatura, textos mais precisos de informação sobre o tempo futuro imediato e até cinco dias, estas com um
ou outro erro. Eu acerto cada vez mais até hoje e não é presunção.
David vencera Golias, e entendi mais uma vez que (porque tenho histórias...) quando se está bem municiado com provas materiais, que quando os argumentos são irretorquíveis, que quando se cerca um sujeito, empresa ou governo por todos os lados, no estilo dá ou desce, sem lhe deixar saída ele tira as calças e dá. Fui festejado e muito pelos caçadores do clube e de outros que
existiam em Angra, Rio e Cabo Frio.
Tenho paixão aloucada não romântica pelos céus e suas nuvens e sei ler os cirros, os nimbos, estratos, cúmulos e todos os mestiços filhotes; cada tipo tem sua prateleira de vôo e não muda de altura como os aviões, aí reside a diferença para a leitura; quando cai é chuva. Moro a 70 m. de altura do nível do mar, junto à Praia de Icaraí, com visão direta para o perfil orográfico da Serra do Mar, desde Volta Redonda até as cercanias de Nova Friburgo no norte /noroeste, e ao sul/sudoeste que abarca 270º graus de horizonte; no meio a oeste a cadeia de montanhas do município do Rio, e não faço a leitura como a cigana que diz o futuro nas linhas da mão. Todos os anos se repetem as figurações básicas das estações com variações previsíveis em função do maior ou menor volume do vapor d’água transportado na alta e na baixa atmosfera. Todos os dias, pela manhã e à noite o fissurado aqui consulta o weather.com para ver a animação das seis fotos em média que mostram o passeio das grandes massas atmosféricas desde a África, Equador Terreste Oceânico, Regiões Brasileiras, Andes, parte do Pacífico, Argentina e
etc. Fotografar e filmar ocorrências climáticas das janelas é comigo mesmo. Só erra quem quer. A falta de conhecimento e o desinteresse leva à vitimização no campo e na cidade, com prejuízos descomunais em vidas e bens materiais. Quase todo mundo entrega o futuro a um protetor que não mora nas nossas plagas.

domingo, 23 de novembro de 2008

vamos em frente

Adão dorme profundamente e já ronca porque não pode ficar de lado ou de bruços, principalmente porque está pelado até os dentes. O oleiro está a seu lado, tem todo o respeito por sua criatura, e afunda-lhe uma adaga de cristal puro de rocha no peito. Indolor, a primeira cirurgia da história resulta na doação involuntária de uma costela das vinte e seis que o mancebo possuía, não me perguntem porquê; a outra talvez tenha sido usada para fazer uma amante, mas sem possibilidades de confirmação. Do seu peito a costela inteira é cravada no barro meio mole e a imensa ferida é suturada. Foi fincar no chão e começaram a crescer raízes e galhos, logo as folhas, as flores, e dois minutos após já dava várias espécies de frutas, por causa das células das variedades comidas por Adão. Dali, a jabuticaba, o coco, a melancia, maracujá, berinjela, chuchu, cereja, pêra teriam aproveitamento na feitura de Eva.
Após usar-se iodo (e como ardeu!) a ferida foi tapada com vários band-aids. Da árvore raízes foram transformadas em duas pernas. O oleiro, travestido de marceneiro, olhou para Adão e começou a copiá-lo; pensou no que colocar no meio das pernas. Olhou de novo. Fez os joelhos, que seriam a parte mais feia da criação. A madeira se fez carne e osso e foi sendo esticada feito massinha preparando-se o tronco e os braços onde colocou um joelho pequeno, só que ao contrário e sem rótula (futuro local da dor de cotovelo).