quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Nem mais e nem menos

Ordem de despejo
-Vocês dois aí, pensam que me esqueci de suas figuraças? Antes imaculadas, sem tatuagens, piercings, nem cicatrizes umbelicais carregam nestas belas barrigas, que dizer, a de Virago (Eva) é de uma beleza juvenil, daqui para a frente poderá ser um símbolo quase sexual, digamos, sensual. Bem, não os quero no Paraiso. Não são dignos de morar comigo e os anjos. Acabou-se a sombra e água fresca. Tu Virago, porque oriunda de parte de Adão, doravante terás os partos dolorosos e complicados, dependerás de parteiras e médicos. Se contorcerá com cólicas terríveis e te virarás com ervas, injeções, partos de cócoras, dentro d’água e se quiser inventar pode até parir num trapézio, que se dane. Um dia alguém oferecerá às suas descendentes parto cesáreo sob anestesia - nem quero saber no que vai dar. Vais conhecer uma inimiga, guarde o nome, TPM.
O oleiro-carpinteiro-marceneiro-neuro-lingüista voltou-se para Adão: -Falei que não comesses o fruto da Árvore do Saber, desobedecesstes, destes ouvido à sua mulher e comeu. Por tua causa a Terra será maldita, dela tirarás seu sustento e o dela, vais arar plantar e enfrentar sol, tempestades, secas e enchentes, ah, para botar pilha em você, virão dilúvio, delúbio, Valério, o carequinha, petralhas, Daniel Dantas, vereadores, deputados e senadores - todos explorarão sua descendência. Comerás o pão, biscoitos, roscas, balas, sorvetes, um simples chester, através o suor de seu rosto. Serão explorados por faraós, romanos, ingleses, americanos, franceses, holandeses, multinacionais de alimentos e deles usarás alimentos transgênicos, processados, cheios de conservantes – venenos vários - que lhes produzirão toda sorte de doenças, incluindo o câncer. No saco de maldades eles inventarão e colocarão as possíveis e as impossíveis... Todos serão afetados pelos séculos e séculos.
“-Isto, pensou o oleiro-carpinteiro-marceneiro-neuro-lingüista, está me cheirando a scripts de cinema catástrofe”. -Adão, você foi feito de pó e claro, se tornará pó novamente, o qual não poderá ser usado para fabricar coisa alguma. Quando for cremado suas cinzas não poderão ser usadas para fazer sabão. Avise a seus descendentes! Sua mulher que em outras histórias lhe deram o nome de Eva – e o foi porque o narrador andou voando, não pesquisou direito, comeu mosca - não poderá sair com ele, então te facultarei que a chame de qualquer coisa. -Senhor, posso manter e chamá-la de Eva? -Quer me cansar? -Porque insiste neste nome esquisito, não conhece um melhor, que tenha mais sonoridade, Madonna, Maryllin, Marisa, Yoko Ono? - Esta palavra me veio à cabeça porque é do hebraico hav vah, significa que será mãe de todos os viventes. Só tenho uma dúvida, mestre, o senhor nos deixará sobreviver? -Sejamos práticos, não haverá mais conversas entre nós, estou expulsando-os aqui e agora deste lugar; tomem estas vestimentas de pele de cervo prêt a porter que mandei comprar ali na C&A e desapareçam rápido e nem olhem pra trás. Saem da liberdade do Paraíso para o mundo que mais será do que uma prisão. Não esperem por um habeas corpus, salvo conduto ou mandado de segurança. Pelo contrário, terão que dar tratos às bolas para corromper, fraudar, criar contos do vigário, mentir, enganar, toda uma série de virtudes que lhes permitirão avançar na vida para acumular toda sorte de ouro, pedras preciosas, bugigangas, a qualquer preço, passando por cima de parentes, amigos e estranhos, com todo o egoísmo possível e depois cair mortos e deixar tudo para trás. Quando morrerem, é perderam a imortalidade, nada levarão para o outro mundo, nada... seus bens serão disputados como carniça pelos descendentes. Parem de tremer e se mandem!
-Senhor, não pode dar um jeitinho? – O quêeee? Pensa que está no Brasil, na terra em que todos querem levar vantagem? Lá onde se criam dificuldades para venderem facilidades? Onde se legisla em causa própria? Onde sentenças judiciais são ditadas nas altas cortes pelos advogados de defesa dos réus? Olha não sou senador nem deputado, governador ou prefeito, muito menos vereador ou suplente de qualquer coisa. Vá em frente!
O casal não teve saída a não ser obedecer, principalmente quando viram uma pessoa com asas enormes e como um pássaro, voando chegou nas proximidades descendo a uns cinco metros e pondo-se em guarda. Seus olhos ferozes fitaram os companheiros. Carregava aquele corpulento anjo um sabre de luz, cintilante e versátil, desses que foram usados em Guerra nas Estrelas, por Luke Sky Walker.
Como demonstração o querubim apertou um dos botões e a arma a laser disparou raios de três cores simultaneamente derretendo uma pequena rocha. No seu lugar a poça de lama quente e rubra que se formou esfriou e se mostrou como uma peça laminar granítica. Adão fez o sinal da cruz automaticamente, como pessoas atualmente na hora do aperto se persignam – passou muitos dias abobalhado sem saber de onde havia tirado aqueles movimentos e não achou ninguém até hoje para explicar-lhe tal ato. A Árvore do Saber tinha ficado para trás. Dali em diante ele e sua consorte, os dois sem sorte, mais toda sua descendência teriam que descobrir tudo sozinhos.

sábado, 6 de dezembro de 2008

quinta-feira, 27 de novembro de 2008


Foi mais ou menos assim

Com tempo, a briga pelo tempo


Em horas vagas, desde alguns anos praticava caça submarina, e após uma teimosia de colegas que insistiram em irmos matar peixes em uma ilha bem afastada do litoral, apesar de haver, no meu pouco entender, prenúncio de nuvens que anunciavam uma frente fria, fomos, e ela chegou e se não provocou desastres conosco, o desastrado do dono da lancha em que eu estava (eram três
) cometeu um deslize que nos obrigou a ficar na ilha por três dias enquanto as outras lanchas aproaram em direção Rio e foram embora.
Daí em diante aprofundei meus conhecimentos com os pescadores litorâneos de alto-mar para entender todos os sinais dados por aves, animais domésticos, das restingas, peixes, nuvens e ventos, para prever os acontecimentos climáticos no litoral do estado do Rio de Janeiro.
Assinava um jornal de envergadura editado no Rio o qual tinha uma coluna sobre o tempo. Todo dia publicava uma fotografia em preto e branco de satélite, o Goes, acompanhada de tábua de marés, gráfico de temperaturas médias nas capitais do Brasil e algumas capitais do mundo e um pequeno texto sobre o clima no Brasil e no Rio. Lia-as todos os dias, recortava e as guardava numa pasta com folhas transparentes e assim passei a “consultor” no nosso clube de caça submarina. Tinha que me virar para estudar e gravar na cabeça as séries fotográficas, consultá-las e emitir “parecer” para os finais de semana, com um agravante: as caçadas poderiam ser na Ilha Grande, ao longo do litoral carioca, niteroiense ou Macaé.

Certa ocasião, percebi que a foto do dia se parecia com uma de semanas passadas; fui à pasta-arquivo, folheei examinando detidamente e achei, estava lá. Com certeza! Vi que mais duas de dias diferentes eram iguais. Desconfiado convoquei a família e nos pusemos a identificar as coincidentes. Para facilitar, foram colocadas no chão formando “mosaico”.
Conseguimos identificar perto de 30 duplicadas, algumas triplicadas e por incrível que pareça, umas duas quadriplicadas. Fiquei indignado. O jornal por achar que ninguém iria conferir se ferrou.

Nem internet, nem e-mail, máquina datilográfica e papel carbono e a indignação. Quente como estava sentei o pau. Dirigi-me ao editor e denunciei o fato. Disse-lhe que tinha fotocópias do que afirmava, o logro. Disse-lhe que eu e muitos pescadores nos baseávamos nas cartas para sairmos para o mar, que estava catalogando e registrando as saídas em atas da Federação de Caça Submarina, que sabia que não se tratava de cochilos e sim de maldade, mesmo. Um outro jornal publicava algo bem mais moderno, por contrato com empresa de meteorologia. Perguntei se faltava dinheiro para tal e ofereci-lhe um empréstimo para que pudessem se modernizar, no tocante ao assunto. Comuniquei que dava um prazo de 30 dias para a mudança. Caso contrário iria levar ao conhecimento da empresa jornalística rival. Ainda fiz o desafio de perguntar se tinha coragem de publicar em Cartas dos Leitores. A empresa rival quebrou alguns anos depois.
Mandei a carta registrada com aviso de recebimento. O jornal recebeu e o aviso chegou-me às mãos. Não me responderam até hoje. Isto foi em dezembro de 1975. Em compensação, duas semanas depois, em um domingo, o jornal anunciava com estardalhaço numa página inteira, que havia contratado uma empresa de meteorologia para repaginar a coluna Tempo; aproveitou e fez entrevistas com dois funcionários do serviço de meteorologia do governo federal, um do Rio e outro de São Paulo, que deitaram falação, muita bobeira de mapas e coordenadas de temperaturas máximas e mínimas, sistema de alta e baixa pressão, frentes frias que vem da Argentina e bla, bla, bla. Frentes frias se originam na Antártica e Pacífico Austral e passam pela
Argentina.
No dia prometido, primeiro de fevereiro, o grande acontecimento. O jornal estreou com todas as pompas a tal coluna, com mapas a cores do Rio de Janeiro, grande e do Brasil, menor, com riqueza de temperaturas máximas e mínimas nos dois mapas, escala de cores de temperatura, textos mais precisos de informação sobre o tempo futuro imediato e até cinco dias, estas com um
ou outro erro. Eu acerto cada vez mais até hoje e não é presunção.
David vencera Golias, e entendi mais uma vez que (porque tenho histórias...) quando se está bem municiado com provas materiais, que quando os argumentos são irretorquíveis, que quando se cerca um sujeito, empresa ou governo por todos os lados, no estilo dá ou desce, sem lhe deixar saída ele tira as calças e dá. Fui festejado e muito pelos caçadores do clube e de outros que
existiam em Angra, Rio e Cabo Frio.
Tenho paixão aloucada não romântica pelos céus e suas nuvens e sei ler os cirros, os nimbos, estratos, cúmulos e todos os mestiços filhotes; cada tipo tem sua prateleira de vôo e não muda de altura como os aviões, aí reside a diferença para a leitura; quando cai é chuva. Moro a 70 m. de altura do nível do mar, junto à Praia de Icaraí, com visão direta para o perfil orográfico da Serra do Mar, desde Volta Redonda até as cercanias de Nova Friburgo no norte /noroeste, e ao sul/sudoeste que abarca 270º graus de horizonte; no meio a oeste a cadeia de montanhas do município do Rio, e não faço a leitura como a cigana que diz o futuro nas linhas da mão. Todos os anos se repetem as figurações básicas das estações com variações previsíveis em função do maior ou menor volume do vapor d’água transportado na alta e na baixa atmosfera. Todos os dias, pela manhã e à noite o fissurado aqui consulta o weather.com para ver a animação das seis fotos em média que mostram o passeio das grandes massas atmosféricas desde a África, Equador Terreste Oceânico, Regiões Brasileiras, Andes, parte do Pacífico, Argentina e
etc. Fotografar e filmar ocorrências climáticas das janelas é comigo mesmo. Só erra quem quer. A falta de conhecimento e o desinteresse leva à vitimização no campo e na cidade, com prejuízos descomunais em vidas e bens materiais. Quase todo mundo entrega o futuro a um protetor que não mora nas nossas plagas.

domingo, 23 de novembro de 2008

vamos em frente

Adão dorme profundamente e já ronca porque não pode ficar de lado ou de bruços, principalmente porque está pelado até os dentes. O oleiro está a seu lado, tem todo o respeito por sua criatura, e afunda-lhe uma adaga de cristal puro de rocha no peito. Indolor, a primeira cirurgia da história resulta na doação involuntária de uma costela das vinte e seis que o mancebo possuía, não me perguntem porquê; a outra talvez tenha sido usada para fazer uma amante, mas sem possibilidades de confirmação. Do seu peito a costela inteira é cravada no barro meio mole e a imensa ferida é suturada. Foi fincar no chão e começaram a crescer raízes e galhos, logo as folhas, as flores, e dois minutos após já dava várias espécies de frutas, por causa das células das variedades comidas por Adão. Dali, a jabuticaba, o coco, a melancia, maracujá, berinjela, chuchu, cereja, pêra teriam aproveitamento na feitura de Eva.
Após usar-se iodo (e como ardeu!) a ferida foi tapada com vários band-aids. Da árvore raízes foram transformadas em duas pernas. O oleiro, travestido de marceneiro, olhou para Adão e começou a copiá-lo; pensou no que colocar no meio das pernas. Olhou de novo. Fez os joelhos, que seriam a parte mais feia da criação. A madeira se fez carne e osso e foi sendo esticada feito massinha preparando-se o tronco e os braços onde colocou um joelho pequeno, só que ao contrário e sem rótula (futuro local da dor de cotovelo).